No meu primeiro dia como residente de Pediatria do Centro Médico Cedars-Sinai, em Los Angeles, fui designado para a unidade de terapia intensiva neonatal. Fiquei impressionado com o lugar. Três (ou, como viria a descobrir mais tarde, quatro) salas grandes estavam repletas de incubadoras transparentes de plástico. Dentro de cada uma delas havia um bebê. Muitos deles eram extremamente prematuros.
Alguns eram pequenos o suficiente para caber na palma da minha mão e pesavam menos de um quilo. Seu tórax pequenino se elevava a cada batimento cardíaco. Sua pele era fina como papel. Um aparelho de ventilação mecânica respirava por eles; cateteres intravenosos viajavam pelo corpo de cada um, para alimentá-los; eletrônicos sensíveis monitoravam cada mudança, mesmo que sutil, em seus sinais vitais.
As unidades de terapia intensiva neonatal (UTIN) são um triunfo do investimento da medicina moderna em tecnologia, medicamentos e conhecimento. Elas existem para concluir o trabalho iniciado pela natureza, já que 500 mil vezes por ano – mais do que em qualquer outro lugar no mundo industrializado – um bebê norte-americano nasce prematuramente. Nos casos mais precários, a criança nasce à margem da vida: em algum momento entre 23 e 26 semanas de gestação, ou no que é chamado de limite de viabilidade.
Esse limite mudou radicalmente ao longo do último meio século. Na década de 1960, quando surgiram as primeiras UTINs, os bebês prematuros corriam um risco de 95 por cento de morrer. Hoje, têm 95 por cento de chance de sobreviver. Isso, nas palavras de um neonatologista, o Dr. Nicholas Nelson, mudou o modo como enxergamos os bebês prematuros, como "um paciente a ser atendido, ao invés de um objeto do qual sentir pena".
Estamos hoje diante de uma escolha difícil, não muito diferente daquela enfrentada pelos médicos que cuidam de adultos que se aproximam do fim da vida: saber por quem lutar e quem devemos deixar partir. A decisão diz muito sobre como passamos a olhar para o menor e mais frágil dos pacientes.
Salvar vidas tão jovens assim não é benigno. Sobreviventes da prematuridade extrema têm complicações frequentes, e muitas vezes graves, durante o tempo que passam na UTIN. No pior dos casos, essas crianças sofrerão de deficiências para o resto da vida: paralisia cerebral; deficiência visual grave, que óculos de lentes grossas e cirurgia ocular podem corrigir apenas parcialmente; pulmões marcados que só os deixarão dependentes de tanques de oxigênio; problemas intelectuais e comportamentais que os colocam bem atrás de seus pares.
Chances de sobrevivência
Em parte porque as perspectivas dessas crianças podem ser tão obscuras, a Academia Americana de Pediatria sugere não ressuscitar bebês nascidos antes de 23 semanas, enquanto que os bebês nascidos após 26 semanas geralmente são ressuscitados.
Entre 23 e 26 semanas os riscos continuam altos, mas a chance de sobrevivência fica mais alta a cada semana. Esse grupo de bebês é descrito pela organização pediátrica como uma zona cinzenta, e os médicos e os pais devem tomar uma decisão difícil quanto à possibilidade de tentar ressuscitar um bebê sem saber ao certo o que vai ocorrer.
As circunstâncias raramente são ideais. Os neonatologistas entram no quarto de um paciente, dia ou noite, em meio à intensa atividade de obstetras e enfermeiros que tentam dar conta do trabalho. É um momento de emoção, tensão e incerteza que não contribui para uma discussão ou reflexão detalhada. Não surpreende, então, que essas decisões de vida ou morte sejam tomadas de forma inconsistente.
Em uma pesquisa de 2005, pesquisadores da Universidade McGill, em Montréal, entrevistaram 165 residentes pediátricos e obstétricos em quatro centros médicos de Québec sobre a ressuscitação de bebês nascidos entre 23 e 26 semanas. Alguns residentes, descobriram os pesquisadores, trabalhavam em hospitais que tinham uma cultura agressiva de ressuscitação. Outras instituições adotavam abordagens menos agressivas: mesmo com 26 semanas, quando a chance de sobrevivência de um bebê prematuro é maior do que 70 por cento, os residentes desses centros médicos indicaram que tentariam a ressuscitação apenas por cerca de metade do tempo. Os pediatras dos EUA também têm abordagens altamente variáveis da ressuscitação de bebês prematuros, sugerem estudos.
A opção dos pais
Os pais sustentam uma ética muito mais consistente. Um estudo feito em 2001 por pesquisadores da Universidade McMaster, em Ontário, mostrou que uma maioria significativa acredita que o correto é tentar salvar todos os bebês, independentemente da condição ou peso com que nascem. Apenas 6 por cento dos profissionais de saúde disseram o mesmo. Estudos mais antigos realizados nos EUA sugeriram que os pais americanos concordam com os canadenses.
Por que existe essa lacuna entre os pais e alguns médicos, mesmo quando a tecnologia médica torna possível salvar um número cada vez maior de bebês prematuros? Talvez os médicos que estão relutantes em intervir a todo custo estejam bastante familiarizados com as possíveis consequências – e cautelosos em relação a elas. Como colocaram dois neonatologistas, o Dr. William Meadow e o Dr. John Lantos: "Costumava-se pensar que a paralisia cerebral era sempre culpa de Deus". Agora, aproximadamente metade dos casos são culpa nossa, escreveram eles, e "é difícil conviver com isso".
Além disso, muitos médicos se deram conta de que o calvário da ressuscitação não se limita aos bebês. A UTIN também é extremamente difícil para os pais.
Mãe e médica
Em 2005, a Dra. Annie Janvier, neonatologista de Montréal que investiga a tomada de decisões em circunstâncias médicas incertas, tinha pouco mais de 23 semanas de gravidez quando entrou em trabalho de parto. Ela deu à luz no hospital onde trabalhava como neonatologista. "Meu bebê estava na categoria 'opcional', e nós tivemos que tomar uma decisão", lembrou.
A equipe teve de tomar as medidas necessárias. A garotinha, a quem deram o nome de Violette, foi direto para a UTIN. Ela passaria por um caminho cheio de percalços, chegando a ficar tão doente em um determinado ponto que Annie e seu marido decidiram recusar o tratamento. A menina se recuperava e, em seguida, quase sucumbia a uma infecção.
Tudo isso teve um impacto profundo sobre a mãe – mas não do tipo que esperaríamos. "Eu detestava visitar a unidade de terapia intensiva neonatal quando ela estava instável", escreveu ela em um ensaio sobre as primeiras semanas de Violette. "Eu odiava ser incentivada a participar do atendimento prestado a ela.
Não se conectar com muita força a um recém-nascido prematuro ou doente pode ser um mecanismo de proteção para os pais, acredita a mãe hoje. Afinal, durante a maior parte da história humana, os bebês prematuros simplesmente morriam. Mas na medicina moderna, com a expectativa de que todo bebê tem uma chance de lutar pela vida, surge uma nova relação com essas crianças – hoje pacientes, não objetos – que ainda estamos nos esforçando para confrontar.
Os médicos podem escolher a mesma abordagem. O que me pareceu, como residente, foi que os ocupantes dessas pequenas incubadoras eram mais fetos do que bebês, um sendo permutável pelo outro. Nós nem sequer lhes dávamos nomes, apenas um número no prontuário, ou nos referíamos a eles pelo gênero – como "bebezinha", por exemplo. Era mais fácil monitorá-los quando seus pais não estavam lá. Bastava ter os números a serem observados naquela noite, fazer um exame rápido e seguir em frente. Tudo isso me ajudou a ter um certo desprendimento.
Muitos estudos mostram que a grande maioria dos bebês que nascem extremamente prematuros passa a viver uma vida satisfatória e produtiva. Violette deixou a UTI neonatal quando tinha 4 meses de idade. Hoje é uma menina feliz, saudável. Ainda assim, quando o fim da vida está tão perto de seu início, não existem dias fáceis na neonatologia. Os médicos fazem o melhor que podem sob tremenda pressão, sofrendo de uma enorme incerteza emocional e clínica. Trata-se de um lembrete de que, apesar do fato de termos a melhor tecnologia possível nas UTINs, a medicina continua a ser um esforço fundamentalmente humano – e, portanto, imperfeito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário